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terça-feira, 26 de abril de 2011

CLÁUSULA DE EXCLUSIVIDADE E O DIREITO DE CONCORRÊNCIA

Cláusula de exclusividade nos contratos de distribuição de bebidas e o direito da concorrência

Muito se tem discutido no universo jurídico acerca da tipicidade ou atipicidade dos contratos de distribuição. A fundamentação utilizada pela corrente que entende pela atipicidade do contrato, a qual se filiam Gustavo Tepedino e Orlando Gomes [01] entre outros, sustenta que o distribuidor efetua a compra e revenda da mercadoria a ser negociada, sendo autônomo e, portanto figura distinta da estabelecida no Código Civil. Por outro lado na visão de Rubens Requião, [02] o distribuidor é apenas um intermediário/depositário do bem, não sendo, portanto autônomo. Em que pese à doutrina se divida nos entendimentos, não se pode desprezar a norma disciplinadora constante no artigo 710 e seguintes do Código Civil, que diz:

Artigo 710. Pelo contrato de agência, uma pessoa assume, em caráter não eventual e sem vínculos de dependência, a obrigação de promover, à conta de outra, mediante retribuição, a realização de certos negócios, em zona determinada, caracterizando-se a distribuição quando o agente tiver à sua disposição a coisa a ser negociada.

Esta regra sugere uma espécie de agência onde o distribuidor tem as mercadorias a sua disposição, porém não as adquire.

Como em outros contratos empresariais, os de distribuição são preferencialmente escritos e via de regra de execução continuada, em que pese possam ser por tempo determinado.

O fornecedor deve respeitar a exclusividade reservada ao distribuidor, pagando a este uma remuneração pelos negócios realizados em seu território, bem como o distribuidor deverá agir com diligência atendendo a todas as instruções do fabricante e arcando com todas as despesas decorrentes da atividade.

Ambas as partes devem compartilhar informações transparentes sobre as tratativas e colaborarem entre si quando não houver prejuízo ou proveito aos contratantes.

O princípio da livre concorrência, elencado no artigo 170 da Constituição Federal, princípio da ordem econômica, busca manter íntegra a competição entre as empresas.

Cláusula de exclusividade

A cláusula de exclusividade é considerada um acordo vertical que consiste nas condutas praticadas pelos agentes econômicos nos contratos de distribuição com intuito de restringir a concorrência em uma dimensão geográfica, que consiste na área territorial onde se trava a concorrência e em outra material, em que é considerada a natureza do bem ou serviço.

O controle de 20% do mercado relevante já constitui, segundo a Lei 8.884/94, que regula a concorrência no Brasil, abuso de posição dominante, no entanto, em verdade, apenas a análise no caso concreto irá dizer se existe o abuso de fato. Importante ressaltar que, em decorrência de vantagens trazidas ao se pactuar sob a égide da exclusividade, muitas vezes observamos um abuso da posição dominante do fabricante com a conseqüente subordinação econômica do distribuidor o que tem gerado não raras vezes a ruptura desses contratos.

Nos últimos anos houve um aumento da intensidade de atuação e do prestígio das autoridades antitruste. Neste sentido, importante ressaltar que tramita no Congresso Nacional um projeto que fará alterações na lei específica buscando fortalecer o CADE e desburocratizar principalmente os processos no tocante as fusões e aquisições. Espera-se assim, que nos próximos anos o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência se torne mais ágil e consolide, definitivamente, seu prestígio institucional.

A posição do Judiciário quanto às decisões do CADE ainda está em formação. Várias ações judiciais recentes tiveram decisões favoráveis às autoridades antitruste, porém, de outro lado, há também várias sentenças que lhes são desfavoráveis, principalmente relacionadas a nulidades processuais.

No que toca aos contratos de distribuição de bebidas a prática se dá, via de regra, no abastecimento mínimo de mercadorias por parte do distribuidor no estabelecimento do fornecedor. Embora não haja legislação específica ao contrato de distribuição de bebidas, tal como a Lei Ferrari para regular a concessão de veículos terrestres, que, segundo nosso Tribunal de Justiça, não se aplica à distribuição de bebidas, não se pode considerar a distribuição um contrato atípico em razão da disciplina do artigo 710 e seguintes do Código Civil, além da necessária interpretação com base nos princípios gerais de direito e principalmente nos estruturadores da ordem econômica.

Com relação à exclusividade nos referidos contratos, importante ilustrar o recente caso da AmBev, empresa gerada pela união das empresas Bhrama e Antártica no ano 2000 e após 05 anos vendida para um grupo Belga, a InBev, no entanto a mesma continua a investir no país.

Um exemplo emblemático de exclusividade foi o acordo chamado "tô contigo" da empresa AmBev, que consistia em um programa de acumulo de pontos e troca por prêmios equivalentes a descontos. Os pontos de vendas deveriam vender exclusivamente a marca e, caso vendesse produtos de marcas concorrentes, o estabelecimento era retirado do programa. Esse programa foi considerado anticoncorrencial pelo CADE, que aplicou a maior multa já atribuída a uma empresa brasileira, no valor de R$ 352,7 milhões, relativo a 1,5% do faturamento da época e mais 0,5% pela má fé por tentar esconder da Secretaria de Direito Econômico (SDE) a prática. Neste caso, evidenciou-se a ausência de eficiências, ou seja, de reflexos positivos ao mercado.

No entanto, a exclusividade não raras vezes gera diminuição dos custos de transação e melhor qualidade do serviço além de proteger o fundo de comércio, meio de subsistência do distribuidor, evitando que o fornecedor se aproprie do trabalho desenvolvido como o esforço durante anos para a captação de mercado.

A resolução nº 20 do CADE inclui a cláusula de exclusividade entre as práticas restritivas da concorrência, no entanto ressalva que a mesma só poderá ser considerada ilícita quando for passível de gerar danos à concorrência, como por exemplo, dependência econômica entre os contratantes. A referida cláusula pode ser um veiculo tanto de eficiências, entendam-se aspectos positivos, quanto de prejuízos para os contratantes e mercado como um todo. Assim, as práticas intituladas grosso modo como condutas monopolísticas, passíveis de gerar barreiras à entrada no mercado, devem ser submetidas à apreciação do CADE, que analisará no caso concreto se as práticas são justificadas através de eficiências que se tornam compensatórias. Se positivas, os atos devem ser aprovados, razão pela qual não se deve considerar a cláusula ilícita per se.

Prejuízos e eficiências da cláusula de exclusividade nos contratos de distribuição
Os atos que impliquem restrições à livre concorrência devem ser submetidos à apreciação do CADE, tais como os descritos no artigo 54 §3º da Lei 8.884/94. [05]


Desta forma, toda vez que ocorrer uma prática prevista em lei como infração a ordem econômica, o órgão competente poderá entendê-lo como prática restritiva ou não restritiva.

A inserção de cláusula de exclusividade nos contratos de distribuição constitui prática freqüente, podendo até afirmar que se trata de uma característica desses contratos. Na medida em que a utilização desse acordo não restringe a entrada de novos distribuidores no mercado, tampouco agride consumidores com práticas abusivas, pode-se se dizer que a cláusula de exclusividade não apenas é inofensiva à concorrência como sua aplicação se faz-se necessária para as eficiências de uma empresa.

É mister analisar a referida cláusula em concreto, a fim de verificar se está produzindo efeitos nocivos à concorrência, causando impactos estruturais em razão da existência de barreiras à entrada no mercado, abuso de posição dominante e inexistência de eficiências compensatórias que justifiquem a ausência de competição. Caso se configurem essas hipóteses, a cláusula ser considerada ilícita.

O direito do consumidor e a lei antitruste

Existem aspectos semelhantes entre a lei de defesa da concorrência e a lei de defesa do consumidor. No entanto, é possível que determinadas condutas de mercado não produzam os efeitos retratados no artigo 20 da Lei 8884/94, assim não haverá infração à ordem econômica, porém é possível que seja aplicado outro diploma, como a Lei 8.078/90.

No artigo 1º da Lei 8.884/94 fica claro o interesse na proteção dos consumidores, bem como seu artigo 24 autoriza os consumidores a ingressarem em juízo a fim de fazer cessar as práticas abusivas. Pela análise do artigo 54, II, §2º é possível concluir que deverá ser conciliada ao fortalecimento da economia nacional a efetividade dos direitos do consumidores.

Porém, não se pode esquecer que o interesse primordial da Lei 8.884/84 é a defesa imediata da livre iniciativa e da livre concorrência, visando à proteção apenas mediata dos consumidores, enquanto que a Lei 8.078/90 busca especificamente defesa destes.

A proteção do consumidor constitui garantia constitucional sendo direito indisponível elencado no artigo 5º XXXII, da Constituição Federal sendo que no artigo 1º, prevê-se a defesa da livre iniciativa. Igualmente, o artigo 170 da Carta Constitucional estabelece, respectivamente, nos incisos IV e V, a proteção à livre concorrência e ao consumidor.

Esta é erigida pela Constituição à condição de princípio. Como tal contemplada no seu artigo 170, IV, integra-se, ao lado de outros, no grupo dos que têm sido referidos como princípios da ordem econômica].

Os dois diplomas mencionados, quais sejam, Código de Defesa do Consumidor e a Lei Antitruste, em que pese tenham alguns pontos em comum, protegem interesses diversos: a livre iniciativa e a livre concorrência de um lado; o consumidor de outro. No entanto, quando a livre concorrência é protegida, também o consumidor o é.
A aplicação desses diplomas busca em linhas gerais uma harmonia no mercado, evitando a imposição de preços excessivos capazes de violar direitos do consumidor, tão importante no desenvolvimento econômico de uma sociedade.

Destarte, as Leis 8.884/94 e 8.078/90 complementam-se em muitos momentos, sendo que, no caso em tela, podem e devem ser aplicadas concomitantemente, no intuito de evitar infrações à concorrência sem esquecer a proteção ao consumidor quando exista lucro arbitrário do agente econômico.

Sanções aplicáveis as práticas anticoncorrenciais

Tramitou no Senado Federal projeto de número 164/2002, que se destinava a disciplinar o contrato de distribuição de bebidas, no entanto o mesmo restou arquivado no ano de 2007, permanecendo sem regramento específico este contrato tão utilizado na prática empresarial.

A lei antitruste prevê a aplicação de multas tanto para pessoa jurídica quanto para pessoa física.

As sanções que alcançam as empresas no âmbito administrativo podem variar entre 1% e 30% do seu faturamento, além de serem obrigadas a publicar a decisão em jornal de grande circulação, não participar de licitações por até 05 anos, bem como a perda de benefícios fiscais. No tocante a pessoas físicas, normalmente gira em torno de 10% a 50% da multa aplicada à empresa, além da responsabilização civil e criminal. Em caso de reincidência a multa pode ser aplicada em dobro. [13]
Portanto, a melhor atitude que a empresa pode tomar certamente não será a busca desesperada de um acordo de leniência, mediante compromisso da cessação da prática, no caso do ilícito já ter ocorrido, e sim sua prevenção pela aplicação de princípios capazes de garantir boas práticas de mercado.

Considerações finais

Na doutrina atual, como se pôde observar, há diversas interpretações sobre o tema. Verificou-se que, caso as práticas havidas como monopolísticas, passíveis de gerar barreiras à entrada no mercado, forem justificadas através de eficiências que se tornam compensatórias, os atos devem ser aprovados pelo CADE, pois a exclusividade não é ilícita per se.

Hoje em dia, a segurança jurídica encontra-se abalada pela falta de consenso, na jurisprudência administrativa, em razão das situações deverem ser analisadas no caso concreto.

Dentro da atual realidade, a procura pelo poder judiciário torna-se inevitável. No entanto, a melhor estratégia para a empresa é a prevenção, com observância dos princípios basilares aplicados a esses contratos, tais como a razoabilidade e a proporcionalidade, no intuito de praticar as melhores condutas, com bons reflexos para economia e sociedade como um todo.

Os contratos de distribuição, os quais não têm um regramento específico, devem ser interpretados com base nos princípios estruturadores da ordem econômica elencados na Constituição Federal, além, é claro, dos princípios gerais dos contratos do Código Civil.

Assim, através da análise minuciosa do caso concreto pelo CADE, à luz de coerente regra da razão, pode-se verificar que práticas restritivas muitas vezes se justificam em razão das eficiências obtidas.

Em suma, uma avença não deve ser considerada ilícita quando produz benefícios para os contratantes e também para o mercado como um todo.

FONTE: INTERNET

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